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"Se eu cheguei até aqui foi porque eu estudei" - Reflexões de uma professora de escola pública.

Se eu cheguei até aqui foi que eu estudei. Sempre afirmei isso com muita convicção e muito orgulho de mim mesma. Sem dúvidas, sempre me esforcei muito para conseguir me destacar e atingir minhas metas acadêmicas e profissionais.

Contudo, quando comecei a ser professora na educação pública, comecei a enxergar algumas coisas que antes eu não enxergava. E que, para mim, parecia ser comum e natural.

Se eu cheguei aqui, desfrutando de uma situação financeira confortável, trabalhando na área que gosto, com uma carga horária que não é cansativa, é porque eu estudei. Mas para eu estudar, existiu um pai dedicado, que fez tudo o que podia para investir nos meus estudos. Que se "apertava" para comprar o melhor material escolar. Que constantemente me levava pra Universidade pra mostrar como era a realidade por lá. Para eu estudar, existiu uma mãe, que se dedicou inteiramente na minha criação. Que ia a pé todos os dias me deixar na escola. Que ia junto comigo conseguir o que fosse preciso para fazer os trabalhos. Que olhava minhas atividades, que me direcionava. Que me proporcionava comida na hora certa, roupa lavada, um lugar organizado e silencioso para eu estudar. Que não me ocupava com nenhuma atividade doméstica.

Para que eu pudesse estudar, existiram pais que permitiram que eu não precisasse trabalhar, que mesmo sendo uma estrutura básica, me deram condições de estudar sem me preocupar com contas, comida, roupas, etc. Existiu plano de saúde, educação de qualidade, orientação, amor, visão de futuro, referência, escola de idiomas, acesso à cultura, lazer, melhores médicos e exames. Existiu cuidado, presença e dedicação.

Quando eu tive contato com diferentes realidades, eu puder perceber que para eu ocupar alguns espaços, não foi só estudar. Existiu uma estrutura que nem todos os jovens brasileiros têm. Vocês já imaginaram, caso alterassem algumas condições da vida de vocês... vocês estariam onde estão?

Se vocês tivessem vivido, na infância, a fome, violência sexual, presenciado violência doméstica entre os pais, alcoolismo, drogas, pobreza, falta de acesso a serviços básicos, vocês ainda ocupariam esses espaços de hoje?

Obviamente, existem pessoas que superam tudo isso, sem suporte, e prosperam. Mas vocês concordam que é muito mais difícil do que foi pra mim? Que isso é exceção e não regra?

Vocês concordam que tem muitos jovens que precisam optar por trabalhar porque não tem ninguém que lhe confira o básico?

Por isso, que a realidade educacional no Brasil é difícil e só enxerga isso quem acompanha essas histórias, todos os dias, sem poder fazer muita coisa. Por isso que não estamos no mesmo barco, uns estão em iates, outros em canoas. Por isso que existem cotas.

E para mim - embora não seja rica, mas muito privilegiada - enquanto professora de escola pública, preciso reconhecer que o lugar que ocupo não é facilmente conseguido por todos.

O nosso país é desigual. É extremamente carente de políticas públicas que diminuam essas desigualdades e que promovam o básico a quem precisa.

Como se estuda com fome? Como se estuda sem teto? Sem material didático? Sem saúde e higiene?

Uma das coisas que o concurso público me trouxe foi a sensibilidade que eu não tinha há 10 anos quando ingressei na Universidade para estudar a licenciatura. Entre a graduação em licenciatura e o ser professor existe um abismo gigantesco que só é ultrapassado se construirmos pontes de empatia e compreensão. Porque sair da bolha dói - e foi muito dolorido para mim - mas é extremamente necessário para ser professor no Brasil.


Professora Geilza Lima


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